Era uma vez uma menina chamada Esmeralda, que tinha este apelido porque ao nascer, sua mãe achou-a mais valiosa que uma Esmeralda garimpada na mata Amazónica. Com um arado amarrado às estrelas dos sonhos, semeou com o verde--esperança da pedra preciosa; - uma vida feliz para a “sua menina”. Mas como todos os sonhos um dia viram solidão... a menina, sem ter cometido qualquer crime, foi condenada à infelicidade; a pior pena que pode ser aplicada a um ser humano, exceptuando-se, claro, a pena de morte.
A inocente Esmeralda caiu assim, nas grades da “prisão da liberdade” de seus Pais biológicos. Imagino que, caso ela tenha consciência da sua realidade, já se terá perguntado, qual será o sentido lógico da vida dos adultos?
--------------------------------------------------------- Um certo dia, sua mamã biológica pediu:
- Querida, a sua mamã afectiva está doente, por isso preparei alguns docinhos, biscoitos, pãezinhos e frutas que estão na cestinha. Você poderia levá-los à casa dela?
- Claro, mamã biológica. A casa da mamã afectiva é bem pertinho!
- Mas, tome muito cuidado. Não converse com estranhos, não diga para onde vai, nem pare para nada. Vá pela estrada do rio, pois ouvi dizer que tem um lobo biológico muito mau - muito injusto, na estrada da floresta, devorando quem passa por lá.
- Está bem, mamã biológica, vou pela estrada do rio, e faço tudo direitinho!
E assim foi. Ou quase, pois a menina foi juntando flores no seu cestinho - ao qual ela chamava de “Felicidade”- para a sua mamã afectiva, distraindo-se com as flores e borboletas, saindo do caminho do rio, sem perceber.
Cantando e juntando flores, Esmerada nem reparou como o lobo biológico estava perto...
Ela nunca tinha visto um lobo biológico antes, menos ainda um lobo biológico e mau - muito injusto. Levou um susto quando ouviu:
- Onde vai, linda menina?
- Vou à casa da mamã afectiva, que mora na primeira casa bem depois da curva do rio. E você, quem é?
O lobo biológico - muito injusto, respondeu:
- Sou um anjo da floresta, e estou aqui para proteger criancinhas como você.
- Ah! Que bom! Minha mãe biológica disse para não conversar com estranhos, e também disse que há um lobo biológico e muito injusto andando por aqui.
- Que nada - respondeu o lobo biológico - pode seguir tranquila, que vou à frente retirando todo o perigo que houver no caminho. Sempre ajuda conversar com o anjo da floresta.
- Muito obrigada, seu anjo. Assim, mamã biológica nem precisa saber que errei o caminho, sem querer.
E o lobo biológico – muito injusto, respondeu:
- Este será nosso segredo para sempre...
E saiu correndo na frente, rindo e pensando:
(Aquela idiota não sabe de nada: vou “jantar” sua mamã afectiva, e ter a netinha de “sobremesa”.... Uhmmm! Que delícia!)
Chegando à casa da mamã afectiva, Esmeralda bateu à porta:
-Mamã afectiva, sou eu, Esmeralda!
- Pode entrar, minha netinha. Puxe o trinco, que a porta abre.
A menina pensou que a mamã afectiva estivesse muito doente mesmo, para nem se levantar e abrir a porta. E falando com aquela voz tão estranha...
Chegou até à cama e viu que a mamã afectiva estava mesmo muito doente. Se não fosse a touquinha, os óculos, a colcha e a cama da mamã afectiva, ela pensaria que nem era a sua mamã afectiva.
- Eu trouxe estas flores e os docinhos que a mamã biológica preparou. Quero que fique boa logo, mamã afectiva, e volte a ter sua voz de sempre.
- Obrigada, minha netinha (disse o lobo biológico, disfarçando a voz de trovão).
Esmeralda não se conteve de curiosidade, e perguntou:
-Mamã afectiva, a senhora está tão diferente: por que esses olhos tão grandes?
- É pra te ver melhor, minha netinha.
- Mas, mamã afectiva, por que esse nariz tão grande?
- É pra te cheirar melhor, minha netinha.
- Mas, mamã afectiva , por que essas mãos tão grandes?
- São para te acariciar melhor, minha netinha.
(A essa altura, o lobo biológico já estava achando a brincadeira sem graça, querendo comer logo sua sobremesa. Aquela menina não parava de fazer perguntas.....)
- Mas, mamã afectiva, por que essa boca tão grande?
- Quer mesmo saber? É pra te comer melhor!!!!
- Uai! Socorro! É o lobo biológico, muito injusto!
A menina saiu correndo e gritando, com o lobo muito injusto correndo atrás dela, pertinho, quase conseguindo pegá-la.
Por sorte, um grupo de caçadores chamados de “Bom Senso”, ia passando por ali, bem naquele momento, e seus gritos chamaram sua atenção.
Ouviu-se um tiro, e o lobo biológico -- muito injusto, caiu ao chão, a um palmo da menina.
Todos já iam comemorar, quando Esmeralda falou:
- Acho que o lobo biológico, muito injusto, devorou minha mamã afectiva.
- Não se desespere, pequenina. Alguns lobos biológicos muito injustos desta espécie engolem seu jantar inteirinho, sem ao menos mastigar. Acho que estou vendo movimento em sua barriga, vamos ver...
Com um enorme facão, - não feito de aço, mas de “Bom Senso”, o caçador abriu a barriga do lobo biológico, muito injusto, de cima abaixo, e de lá tirou a mamã afectiva inteirinha, vivinha.
- Viva! A minha Mamã afectiva!
E todos comemoraram a liberdade conquistada, até mesmo a mamã afectiva, - que já não se lembrava mais de estar doente, caiu na farra.
"O lobo biológico, mau e muito injusto, já morreu.
Agora tudo será festa: posso brincar na floresta, caçando borboletas e colhendo lindas flores.
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Quanto tempo será necessário para passarmos das leis gélidas do “tempo biológico”, às leis cálidas do “tempo afectivo”?
......Sim, eu sei, que é preciso passar pela caminho evolutivo do homem, mas....será que não estamos a caminhar excessivamente devagar?
Ontem ao passar no Jardim do Centro de Albergaria, - Junto ao Tribunal, olhei repentinamente para a estátua que representa a justiça, e, pareceu-me ter visto um monstro, mas ... penso que esta visão, foi apenas fruto da minha imaginação.
Será? – Olhe que não! Olhe que não!
Daqui donde chamam mundo, 26 de Dezembro de um ano qualquer.
Texto de: Luísfilipe